Em 15 de junho de 2015, um menino de sete anos morreu depois de comer uma couve que estava contaminada com agrotóxicos, em uma fazenda de Porto dos Gaúchos, perto de Cuiabá, onde morava com os avós. A suspeita é de que houve excesso na quantidade de pesticida ou aplicação incorreta. O agricultor informou que pulverizou o mesmo produto que usa nas plantações de soja, milho e algodão. O caso ainda está sendo investigado.
No dia 03 de maio de 2013, um avião agrícola sobrevoou uma escola pública localizada no Assentamento Pontal dos Buritis, em Rio Verde, GO, intoxicando dezenas de alunos e alguns professores. A aeronave estava pulverizando inseticida para combater as pragas de uma lavoura. O incidente que colocou mais de 30 alunos e professores no hospital, ainda está sendo investigado.
Estes dois casos trágicos precisaram atingir diretamente as crianças para chamar atenção dos consumidores das grandes cidades e da mídia. No entanto, a exposição direta aos agrotóxicos de maneira inadequada é uma constante na vida dos trabalhadores rurais desde de o início de sua utilização no Brasil.
Os agrotóxicos são substâncias químicas ou biológicas usadas para matar insetos ou plantas no ambiente rural e urbano, que entraram no país na década de 60. A partir de 1975, com o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), ocorreu um verdadeiro boom na utilização de agrotóxicos no trabalho rural. O agricultor era obrigado a comprá-los para obter recursos do crédito rural.
O uso de agrotóxicos no Brasil assumiu grandes proporções na última década, aumentando as compras de US$ 2 bilhões para mais de US$7 bilhões entre 2001 e 2008, o que correspondeu a 986,5 mil toneladas de produtos aplicados. Em 2008, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos e assumiu o posto de maior mercado consumidor de agrotóxicos do mundo. Em 2009, ultrapassamos a marca de 1 milhão de toneladas, o que equivale a um consumo médio de 5,2 kg de veneno agrícola por habitante. Em 2011, ultrapassamos o valor de US$ 8,5 bilhões em gastos.
Um dos motivos para este vertiginoso aumento do uso de agrotóxicos foi a introdução dos transgênicos no Brasil, visto que o cultivo das sementes geneticamente modificadas exigem o uso de grandes quantidades dos agroquímicos.
Os mais afetados pelo uso de agrotóxicos são os trabalhadores expostos no momento da manipulação, aplicação e colheita, que são executadas muitas vezes sem o uso de equipamentos de proteção individual (EPI’s). A maioria não utiliza estes equipamentos por falta de conhecimento, falta de treinamento ou por não terem acesso aos mesmos.
Os agrotóxicos são absorvidos pelo corpo humano pela via respiratória e dérmica e, em menor quantidade, pela via oral. Os agravos à saúde são classificados principalmente em dois tipos: as intoxicações agudas e crônicas. As intoxicações agudas acometem, principalmente, as pessoas expostas em seu ambiente de trabalho, sendo caracterizadas por efeitos como irritação da pele e olhos, coceira, cólicas, vômitos, diarreias, espasmos, dificuldades respiratórias, convulsões e morte. Já os efeitos associados à exposição crônica são infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico, suicídio e câncer. Os efeitos adversos decorrentes da exposição crônica podem aparecer muito tempo após a exposição, dificultando a correlação com o agente.
Efeitos e/ou sintomas agudos e crônicos dos agrotóxicos
Outra grande parcela da população afetada por estas substâncias são as que moram próximas às áreas de utilização dos agroquímicos. Além disso, a biota (fauna, flora e outras formas de vida) também é fortemente afetada, causando desequilíbrio ecológico e afetando lugares mais distantes da contaminação inicial.
Em uma pesquisa realizada em 2002 na região da Microbacia do Córrego de São Lourenço, Município de Nova Friburgo, RJ, foram avaliadas a comunicação de rótulos e embalagens químicas, a contaminação ambiental e humana. Em 30% dos agricultores participantes, foram detectados sinais e sintomas de intoxicação aguda e crônica, dentre eles quadro de polineuropatia periférica (dano no sistema nervoso periférico) e alterações comportamentais que levam a distúrbios do sistema nervoso central. Quanto à problemática ambiental, foram observados níveis elevados de contaminação, podendo ter impacto significativo sobre a biota. Sobre a comunicação, nenhum dos participantes conseguiu interpretar a totalidade das mensagens contidas nas figuras dos rótulos e bulas, bem como alguns dizeres, figuras e representações gráficas de procedimentos de uso e descarte.
Em outra pesquisa realizada em 2005 com agricultores da Serrinha do Mendanha, município de Campo Grande, RJ, foram aplicados questionários para avaliar o nível de entendimento dos agricultores sobre os agrotóxicos e o impacto na saúde. Nesta, a maioria reconhece a importância do uso dos EPI’s, mas na prática pouco utilizam devido ao desconforto, falta de recursos financeiros e pela questão cultural (vergonha). Com relação a gravidade do uso de agrotóxicos, a maioria entende que é prejudicial à saúde, mas prefere continuar utilizando na busca de uma boa safra. Quanto aos casos de intoxicação, aproximadamente 20% dos agricultores entrevistados relataram tal experiência enquanto outros 60% disseram conhecer familiares ou vizinhos já intoxicados na região. Cabe ressaltar que no Brasil o ensino educacional no meio rural apresenta muitas deficiências e percentuais expressivos de analfabetismo, contribuindo para o agravamento da contaminação deste trabalhador.
Um levantamento realizado em 2007 na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, mostrou os principais impactos do uso de agrotóxicos na olericultura (exploração de hortaliças) para a saúde humana, como: elevada incidência de mortes por cânceres de estômago, esôfago e laringe entre homens agricultores no período de 1979 a 1998, comparado a outras populações masculinas da mesma faixa etária; possível associação entre a exposição a agrotóxicos organoclorados e distúrbios reprodutivos; inibição da atividade da tireoide pelo uso de mancozeb e amitrol; aparecimento de alguns tipos de cânceres hormônio-dependentes relacionados ao uso de herbicidas triazínicos.
Ainda segundo a OMS, a comercialização de agrotóxicos não foi acompanhada das devidas medidas nos países em desenvolvimento, que deveriam dificultar o acesso, controlar a venda e reduzir o nível de toxicidade dos produtos, tendo em vista que são muitos os transtornos psíquicos causados pela exposição aos agrotóxicos, dentre eles a depressão e a ansiedade.
Estes dados mostram a necessidade de avaliação e controle dos vários fatores que contribuem para a contaminação por agrotóxicos. O incentivo do governo para adotar práticas alternativas como a agroecologia é extremamente necessário. Para isso, empresas e sociedade devem estar unidos para garantir a qualidade de vida do trabalhador rural e da população, consumidora destes alimentos, bem como garantir a sustentabilidade do meio ambiente. Quanto mais optarmos pelo consumo de alimentos livres de agrotóxicos, menos trabalhadores estarão expostos a estes produtos químicos. Não se trata apenas da sua saúde, mas da saúde de todos que ajudam a colocar o alimento no seu prato. O meio ambiente agradece.
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